segunda-feira, 16 de março de 2009

A MÚSICA NO PROCESSO DE ENSINO/APRENDIZAGEM

MÚSICA E HISTÓRIA

O ensino de história deve se construir através de espaços de reflexões sobre as relações que possibilitam o resgate das manifestações econômico-sociais e político-culturais de uma sociedade. Desse modo, considerando a música como linguagem reveladora de experiências históricas determinadas e como metalinguagem, sua consideração no processo de ensino-aprendizagem tem relevância estratégica, tanto para a recuperação acima mencionada, como para a sensibilização do aluno. Na medida em que a linguagem normalmente nos remete ao ato da fala, é importante considerar a linguagem musical como linguagem verbal, uma vez que ela é essencialmente sonora, empreendendo uma sensibilidade auditiva, separada, portanto, das chamadas linguagens visuais, estas, às vezes, utilizando-se das sonoridades. As linguagens sonoras {verbal e musical} permitem um estímulo à parte sensível do ser através do sonho e da imaginação. Na medida em que a linguagem musical pressupõe toda uma articulação com a da comunicação social, promovendo a inter-relação de seus membros com intenções e efeitos comunicativos, a linguagem musical possibilita uma comunicação verbal e também acional. Pela comunicação verbal, os sons musicais promovem o desvendamento de sonoridades reveladoras das ações simbólicas de diferentes grupos sociais e permitem desvendar aquelas ações explicativas das comunicações sociais manifestadas num dado processo histórico. Pela análise musical pode-se desvendar relações que envolvem os vários grupos sociais e suas práticas culturais, sendo este um nível de investigação necessário no processo histórico. Assim, podemos dizer que há um processo de criação musical que tem um campo evolutivo marcado pelo aperfeiçoa-mento técnico e relacionado ao mundo urbano industrial, e um processo de repetição de sons e ritmos diferenciados que permitem a criação de novos acórdons capazes de revolucionar uma estrutura sonora, cuja ação pode congregar, dos sons mais simples (arcaicos) aos sons mais complexos (modernos). Ernest F. Schumann considera na recuperação da música como elemento central no resgate do vivido de uma dada sociedade, a existência de dois pressupostos: 1) a organização social do homem que exigiu a comunicação entre seus membros; 2) toda a comunicação social considerada como um produto da evolução das relações mantidas entre os seres e o mundo que os circundam. Desses pressupostos, o autor analisa os vários modos de comunicação. Assim, motivado pela antropologia cultural, o autor recorre a Morgan,Gordon, Childe, Marx e Engels para argumentar sobre um modo de comunicação plistocênico (sons sonoros e gestuais, parte integrante da comunicação acional do homem em estado primitivo), que evolui para um modo de comunicação definido por relações sociais de produção, pela emissão e transmissão de mensagens. Esses sinais são combinações de níveis anteriores e permitiram a criação da forma de linguagem verbal. Para Schumann, numerosas articulações sonoras continuaram sendo produzidas sem o uso especificamente lingüístico, vindo a construir um campo de atuação e manifestações classificáveis como musicais. Daí ter sido, para o autor, o modo de comunicação plistocênico, o gerador de um tronco comum, no campo sonoro, destacando-se dois ramos distintos: a linguagem verbal e a musical. Os etnomusicologistas perceberam que a música primitiva desempenhou sobretudo as funções religiosa e mágica. Esta última, articulava-se, também, às representações pictóricas da arte rupestre, podendo servir para o questionamento da hipótese que a comunicação plistocênica não visava ao estabelecimento de relações comunicativas, mas sim, tornar o homem possuidor do poder sobre os outros seres vivos, tão comum nas ações de magia realizadas pelo homem primitivo.
CULTURA POPULAR E MUSICALIDADE
A música esteve sempre presente entre as manifestações humanas ligadas ao prazer, ao poder e aos seus vários ritos. A burguesia se apropriou das expressões musicais da nobreza e sentiu a crise desta manifestação com maior intensidade do que as camadas populares. As manifestações musicais (religiosas, do trabalho ou do contar histórias) desse grupo social, às vezes, se aproximam do animismo. Sua produção vincula-se mais aos instrumentos musicais existentes e, desse modo, o sistema tonal incompleto tenderia a desaparecer, como ocorre com a prática dos repentistas do nordeste do Brasil, onde os cantadores, obedecendo a uma estrutura melódica constante e invariável criam improvisações poéticas em um único acorde. Essa forma musical, própria do mundo rural, permanece como representação simbólica do universo camponês e como valor de uso. No âmbito das manifestações culturais populares há também uma aplicação simplificada do sistema tonal como a modinha, o lundu, o maxixe, o tango brasileiro e o choro. Embora sua aplicação seja distinta daquelas manifestações do meio rural, a música popularesca foi sendo rapidamente absorvida pelo mercado capitalista, tornando-se uma mercadoria e qualificando-se como valor de troca, perdendo o sentido de obra, entrando no circuito da reprodução. Desse modo, ela adquiriu estatuto de cultura de massa, criando em torno de si um aparato industrial, um rendoso mercado e um sistema de mídia para sua veiculação. Essa indústria cultural concentra-se sobre o urbano e expande-se em seguida sobre o espaço musical rural, apropriando-se de elementos cada vez mais interiorizados da população que também se modifica com o avanço da urbanização, da industrialização e com o processo migratório que se intensifica ainda mais a partir dos anos 50, do século XX, no Brasil. É preciso destacar ainda que não se pode compartimentar as relações sociais e as sonoridades musicais, em segmentos estanques. Do mesmo modo que as relações e os conflitos de classes explicam a hegemonia social, a cultura popular e erudita conflituam-se mutuamente, especialmente porque: a) os sons primitivos e os atuais estão em constante processo de aproximação e afastamento; b) os valores estéticos, os gostos, as modas podem ser recuperadas pela noção de época, de século ou seja, a longa duração Histórica.
OS GÊNEROS E SUA HISTÓRIA

A modinha considerada como o primeiro gênero de canção popular no Brasil, substituiu de certo modo o canto coral ou se manifesta em sua oposição, destacando-se como canção-solo. Ao que tudo indica, por relatos de cronistas, ela se desenvolveu pela irreverência popular contra os cânticos religiosos sendo apontado por Nuno Marques Pereira. A exclamação: "Oh! Diabo!!" no final de cada frase se opunha à toada e ao compasso harmônico "e aparecia como breque, soando como uma heresia não apenas pelo texto, mas também pela inovação musical". A oposição à canção-solo não se restringiu apenas ao conteúdo moral, (crítica religiosa, canções amorosas, suspiros, desejos) mas também, ao ato irreverente da população de crítica política contra as elites dominantes. Essa separação entretanto, não impediu um movimento de apropriação de ex-pressões musicais de uma classe social para outra, fato que nos impede de definir como níveis desarticulados Cultura Popular e Cultura Erudita. Nas primeiras décadas do século XX, por exemplo, pode-se citar Catulo da Paixão Cearense por representar um caso exemplar na história da modinha. Maranhense de classe média, formou-se no Ceará e seguiu para o Rio de Janeiro, destacando-se por criar letras de exacerbado romantismo e colocá-Ias em músicas de maestros como Vila Lobos ou Anacleto de Medeiros. Apaixonado pela filha de um senador, participou de serestas e reuniões sociais tendo sido destacado letrista de modinhas amorosas que passaram a representar valor cultural das reuniões e saraus das elites. Na década de 1930/40, Manuel Bandeira promoveu a retomada das características originais da modinha e na década de 1950, Vinícius de Morais e Juca Chaves retomaram, quase duzentos anos depois, o estilo de Caldas Barbosa, como renovadores do gênero. Já nos anos 70, Chico Buarque de Holanda retoma o tema, produzindo além das modinhas líricas, outras afinadas às críticas sociais e políticas sem o tom do humor de Chaves. Para esse trabalho, destacaremos através desse estilo musical, de forma singular a problemática da industrialização, da urbanização e das migrações tanto no país quanto nas relações internacionais decorrentes do desenvolvimentismo. Outra manifestação importante, o "lundu", nome que define também uma dança afro, derivada das rodas de batuque, pode ser encontrado como lundu - canção na coletânea de versos musicados de Caldas Barbosa, em dois volumes (1789 e 1826), e naquele período, apareceu sempre com o conteúdo dos versos destacando o moleque negro ou mulato que se apaixona por uma iaiá, ou ainda satirizando afavelmente com ela. Tomás Antônio Gonzaga nas Cartas Chilenas, cita uma dança acompanhada por viola de arame que se caracteriza pela umbigada ritmada pelo batuque de roda. O lundu - dança - passou a ser cultivado por negros e mestiços e o lundu - canção - passou a interessar os compositores cultos e a desfigurar-se, a ponto de ser confundido no século XVIII com a modinha erudita. O lundu interessou ainda aos músicos de teatro que o utilizavam como casamento de um texto engraçado com a dança maliciosa (considerada boa atração para o público, branco, amante de emoções eróticas). Inicialmente como entremez (intervalo do espetáculo teatral de qualquer que fosse o gênero) e depois, como um espetáculo propriamente dito, o lundu deixava a rua para ser exibido nos teatros das cidades. Já na Segunda metade do século XIX, o lundu tornou-se uma estrutura de dança saltitante, de compasso binário realizada por par enlaçado e confundiu- se com a polca, perdendo a espontaneidade da umbigada maliciosa. Daí deriva-se o lundu-polca e dele o maxixe - Iundu, cantado em circos de todo o Brasil. O maxixe foi uma contribuição típica das camadas populares no Rio de Janeiro, resultado do esforço dos músicos de choro em adaptar o ritmo da música aos volteios e requebros de corpo criados por negros e mulatos na elaboração dos passos de danças de salão. Executados nos clubes carnavalescos e nos teatros de revista, o maxixe foi incorporado às danças da Cidade Nova, bairro criado pelo aterro do mangue por volta de 1860. Foi nesse espaço, confluência de população urbana de baixa renda e núcleo de absorção da mestiçagem, que a população criou, partindo do ritmo de batuques, dos lundus dançados com umbigadas, que adaptou-se o miudinho dos sapateados das danças de roda aos três passos básicos da polca. As mulheres acentuavam o tremor dos quadris e em seguida se desarmava da provocação fêmea para um movimento de requebrado. Esse processo de adaptação e criação fez do maxixe uma manifestação musical onde o enlace colado de dois corpos gerasse volteios musicais que procuravam capturar na sonoridade melódica os vôos e emoções do corpo. Ernesto Nazareth e Chiquinha Gonzaga foram os primeiros a estilizar os ritmos do maxixe, utilizando-se mais do virtuosismo pianístico, o que impediu esses compositores de serem representantes verdadeiros do maxixe popular. Foi esse exagero virtuoso que permitiu a criação do gênero tango. Sinhô, Donga e Marcelo Tupinambá são típicos dessa manifestação urbana da Cidade Nova. No início do século, o tango brasileiro foi exportado para Paris e esteve no Chez Ciro's executado e interpretado por Monsieur Duque que dançava ao rítmico de Chiquinha Gonzaga. Em 1906, Maria Lino, atriz de teatro de revista no Rio encontra-se com Duque em Paris e depois de interpretar o maxixe "Vem cá Mulatà', formou com o francês uma dupla amada pelos parisienses que atuou até 1914 em toda a Europa. Na década de 1930, o maxixe dança estava sendo enterrado pelo charleston e passou a ser apenas em gênero musical. Retomado na década de 1950 por Luís Peixoto e José Maria de Abreu Bailarico de Novais e, em 1968, por Chico Buarque de Holanda que conseguiu o segundo lugar na 10 Bienal do Samba da TV Record, quando todo o público cantava Bom Tempo, em ritmo de Maxixe. Importante também lembrar as inúmeras melodias que animaram as festas religiosas em várias regiões do país e em especial em São Paulo. Assim portanto, o samba paulistano só se tornou possível pela manutenção nos bairros, dos espaços de brincadeiras e cantorias, espaços ainda fechados para a realização dos pequenos espaços para carnaval. Outro importante núcleo foi o da Festa do Bom Jesus de Pirapora que reunia os negros e seus batuques que produziam um conjunto de peças musicais difundidas pelos vários segmentos sociais e popularizadas nos pequenos carnavais. Ao final do século XIX, muitas famílias elegantes levavam para dentro de suas casas estas brincadeiras que acabaram por produzir uma apropriação dos elementos centrais da cultura negra aos carnavalescos. Recolhido aos salões o carnaval foi perdendo a espontaneidade e a radicalidade e tornando-se, ao longo do tempo, uma brincadeira civilizada de confetes, serpentinas e lança- perfumes nos hotéis da cidade, que se abriam para estas festas. Muitos visitantes e mesmo ricos moradores da cidade alugavam as sacadas dos edifícios e dos hotéis para acompanhar o carnaval que foi retomando às ruas no início deste século 22. Neste período dois corsos são os mais importantes: o da Lapa, bairro operário de italianos, sem muita importância e o do Brás, centro de cultura italiana que se ocupava na maior base urbana de concentração operária. O corso das elites percorria a Avenida Paulista. As camadas populares já vivenciavam seu carnaval como decorrência das festividades religiosas e das procissões desde o século XVIII. As congadas e os caiapós, danças respectivamente de negros e de índios, são a gênese desse processo. Deste modo, os bairros operários passaram a ser pólo de desenvolvimento de tradição do samba paulistano que teve em Adoniran Barbosa o seu expoente máximo. Samba do Arnesto, Trem das Onze, Saudosa Maloca são os mais conhecidos, mas não os mais representativos dessa tradição. Assim também, as favelas e cortiços de São Paulo deram guarida a inúmeros movimentos de samba plenos da tristeza e do batuque sincopado que aproximava negros e índios desde o século XVIII. Importante trabalho que remonta esse elo inicial é a produção de Pato N'água e de Geraldo Filme. De fato, as presenças negras e dos vários grupos indígenas e imigrantes compuseram um modo específico de poética e musicalidade as referências culturais do mosaico populacional que compuseram a tríade: urbanização, industrialização e migrações em São Paulo. No final da década de 1950, mesmo como resultado da internacionalização da economia e da cultura do pós-guerra, alguns elementos das velhas tradições persistem. Tal como o choro, a bossa nova não constituiu um gênero de música, mas uma maneira de tocar. Representou uma reação culta, partida de jovens da classe média branca, contra a percussão de 2/4 do ritmo tradicional dos negros. Afastando o samba de suas origens populares, representava a incorporação de um esquema rígido de multiplicação das sincopas, acompanhados pela descontinuidade entre o acento rítmico da melodia e do acompanhamento, produzindo uma mimesis, uma birritmia apelidada de violão gago. A Bossa-Nova representou, inicialmente, um momento de alienação das elites brasileiras e ilusão do rápido processo de desenvolvimento, baseado no pagamento à tecnologia estrangeira. Essa geração zona sul do Rio de Janeiro, motivada pelo rompante nacionalista de Juscelino Kubitschek, criou, através do que Benedecto Anderson considera uma comunidade imaginária, um tipo de samba utilizando-se da música clássica e do jazz e de vocalizações de cantores como Ela Fitzgerald. O poeta Vinícius de Moraes foi central nesse novo grupo que atuava nos bares e boates cariocas, os cafés society, produzindo uma dança cujo rítmico misturava jazz e samba. Deste primeiro grupo, faziam parte Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli, Luís Carlos Vinhas, os irmãos Castro Neves, entre outros. A presença central foi, entretanto, do baiano de Juazeiro, João Gilberto, que logo impôs ao grupo uma maneira de tocar. Esse primeiro período marcou bem a separação de classes entre os sambistas de morro, deslocados para a Zona Norte da cidade e os jovens universitários da Zona Sul. Em 1957/58, Carlos Lira começou a demonstrar inquietação frente à influência externa que a Bossa Nova estava recebendo. Sua composição criticando foi respondida por ele mesmo no samba Influência do Jazz, que denunciava o mimetismo e a forma reprodutiva da Bossa Nova. No início da década de 1960, o esgotamento do desenvolvimentismo, a impossibilidade de absorção no quadro econômico das massas populares e as primeiras gerações de profissionais universitários, promoveu a constituição de um processo de denúncia que nasceu dos grupos de cultura da União Nacional dos Estudantes, os CPCs, que além de objetivar as discussões políticas, queria também difundir a cultura (teatro, filmes, discos) ao conjunto da população para a obtenção de um debate crítico capaz de corrigir os desvios desenvolvimentistas. Reaproximam-se os grupos do morro e a intelectualidade carioca. Cartola, Nelson Cavaquinho e Zé Keti, encontram-se com Nelson Lins e Barros e Carlos Lira. Esse encontro mostrou que duas linguagens musicais distintas poderiam se reunir. Em 1962, depois de grande esforço, e porque não tocava violão, Zé Keti compôs em parceria com Carlos Lira o Samba da Legalidade e Tom Jobim e Vinícius de Morais, O morro não tem vez. Essa relação de ternura paternalista entre o povo e os setores intelectualizados das classes médias, manifestou-se também na peça de Oduvaldo Vianna Filho “A mais valia vai acabar”; seu Edigar, musicada por Carlos Lira, e com Gimba de Carlos Lira e Gianfracesco Guarnieri, cantada no filme Cinco vezes na favela. Começava a surgir o samba participante, com Edu Lobo, Sidnei Muller, Carlos Lira que montaram o show Opinião, em dezembro de 1964. Reunindo João do Vale, autor de Carcará, Zé Keti e Nara Leão, o espetáculo criticava de forma velada o golpe militar de 1964. Entre 1966, com o primeiro e o segundo festival de Música Popular Brasileira realizados no Guarujá e em São Paulo respectivamente, realizou-se a articulação entre o samba de participação e a canção de protesto, com destaque para Edu Lobo e Geraldo Vandré. Participavam também Capinam, Gilberto Gil, Rui Guerra e Caetano Veloso. Mesmo tendo sido considerado por Walnice Galvão "como movimento de evasão e consolação para pessoas sofisticadas, o movimento representou uma maneira das elites intelectuais de esquerda se aproximarem dos valores e problemas populares. O movimento de protesto cutucou os militares com vara curta e a resposta foi o endurecimento com o fechamento político de 1968 através da edição do Ato lnstitucional n° 5 de 13 de dezembro. A censura atuou de modo intenso, sobre toda a produção cultural, e de certo modo produziu um fenômeno de resistência, tanto pelas manobras necessárias para esquivar as obras da tesoura afiada da censura, como pela constituição de heterônimos que acobertassem o verdadeiro autor, ele sim perseguido, e não as idéias, uma vez que a ignorância dos responsáveis pelo obscurantismo, os impedia de exercer com coerência o combate ideológico a que estavam responsabilizados. Ruptura ideológica e estética é preciso também recuperar no período da censura, a Tropicália, que de fato promoveu um amplo processo libertário no modo de produzir e de ouvir música. Em muitos autores esse período é entendido com responsável pelo imperialismo, ou seja pela invasão estrangeira pela importação de tecnologia imediatamente transferidas para a música. Produziu-se uma idéia de confronto entre os entreguistas e os defensores de um nacionalismo abstrato que sequer lidava com o sentido amplo dos elementos constitutivos da chamada cultura popular. Evidentemente, hoje a Tropicália faz parte de uma genealogia que produziu um novo modo de conceber a temática, a poética e a métrica, similar ao processo vivido por Chiquinha Gonzaga e Emesto Nazaré no final do século XIX. A libertação dos esquemas pré-determinados anteriormente pode ser observado no movimento de constituição das bandas e grupos de rock. Oriundos dos espaços constituídos pelos baianos pode-se destacar a importância do Blitz, incursão pela pop music com forte apelo comercial e o Barão Vermelho, que opta pelo rock de protesto, colocando os temas da repressão e da alienação como centrais em suas composições. Importantes contribuições ao entendimento da tropicália como momento de ruptura pode ser recuperado tanto em Roberto Schwarz, como em Heloisa Buarque de Hollanda. Desse movimento, devemos destacar o papel do Paralamas do Sucesso, que buscou eliminar a separação abissal entre a MPB e o rock brasileiro. De fato, a incorporação desse movimento permitiu que Jorge Bem Jor e Gilberto Gil pudessem ser reconhecidos como membros desse amplo processo. Evidentemente essa aproximação não é reconhecida de modo homogêneo. Há grande oposição numa vinculação mecânica entre o Legião Urbana e o U2; Paralamas do Sucesso e The Police, apesar do reconhecimento de uma certa imitação no início de formação dos grupos e bandas. Assim, também, o rap foi inicialmente um movimento de assimilação dos jovens das periferias urbanas e não propriamente da classe operária como nos Estados Unidos. Pouco a pouco, o movimento acabou se tornando expressão e protesto de jovens desempregados, subempregados, excluídos – basicamente da população negra - retratando a violência, o submundo urbano e a discriminação racial. Nos conjuntos habitacionais onde o Estado se manifesta pela repressão policial, ele se constituiu como um mecanismo de conscientização e auto-proteção: combate o Estado, a violência, ao uso indiscriminado de armas e ao poder do narcotráfico. Destes, destacamos os Racionais Mc's e o Pavilhão 9 como centrais. Também nas periferias destaca-se o renascimento dos grupos de pagode, desvinculados da tradição dos morros cariocas de Martinho da Vila ou de Zeca Pagodinho. Estes pagodeiros reinauguram os temas das relações afetivas e de um romantismo individua-lista da juventude que perdeu seus elos coletivos da luta política. Exaltasamba, Só prá contrariar e Negritude Junior são os que ganharam maior visibilidade. Pode-se ainda indicar que fruto da indústria cultural o movimento da apropriação dos elementos originais da cultura caipira, foi reinaugurado pela música sertaneja, que perdeu sua espontaneidade e o rigor da criação de Milionário e Zé Rico, cujas raízes estavam tanto nas guarânias paraguaias incorporadas ao grande repertório de Cascatinha e Inhãna e regionalizadas por Inezita Barroso, hoje ainda presente no cancioneiro popular. A nova música sertaneja reproduziu as duplas caipiras dos anos de 1950/60 manifestando- se num movimento milionário, estilo country, que se apóia em rodeios e vasto conjunto de mercadorias para um grupo social de elite. Destas duplas, destaca-se Xitãozinho e Xororó, Leandro e Leonardo, Zezé de Camargo e Luciano, entre outros, apoiados por forte esquema da mídia eletrônica e consumido amplamente por variados grupos sociais. Finalmente, ainda oriundos do movimento dos novos baianos, destaca-se como retorno aos batuques de ritmo africano Olodum, Araqueto, Ilê Ayê, cuja representação está centrada numa visão primitiva da África e que se coloca como forma agregadora da ofensiva afirmativa nas lutas contra o racismo e a exclusão social. Carlinhos Brown, rompe com a estética e a tristeza dos ritos e se manifesta numa volúpia rebelde cujo movimento supõe uma nova síntese entre passado e futuro. Entretanto, ao reivindicar Mama África afasta-se do político e reflui-se numa atitude de não pertencimento ao país, deixando como nos vários outros momento dessa longa trajetória, de pensar o presente e a história como centro “presentificado”, por onde se tecem os combates rumo ao devir. A música, portanto, é como outros níveis da produção humana um campo fértil para o entendimento do vivido e do pertencimento.
O USO DA LINGUAGEM MUSICAL NO ENSINO DE HISTÓRIA

Na perspectiva de recuperar o cotidiano na História brasileira, o uso da linguagem musical nos permite encontrar os valores sociais expressos nas várias formas de manifestações que envolvem a música, e deste modo capturar os elementos explicativos da realidade social que se manifesta nas formas poéticas, nos protestos, nas danças, nas cerimônias religiosas e mesmo nas manifestações públicas. Através da linguagem musical procuraremos desvendar os processos de reordenamento urbano, resultantes do novo modelo econômico adotado pelas elites tecnocráticas que se estruturaram no país, e pelos ditames do capital monopolista; a problemática do regionalismo e do internacionalismo que se articulam em busca de mão-de-obra, matérias-primas e incentivos fiscais, parte da política de atração ao capital internacional ligado direta-mente ao processo produtivo, e finalmente a auto descoberta das relações arcaico/moderno no processo de enfrentamento das desigualdades sociais e culturais, e da busca de uma nova síntese político revolucionária que se expressou no pós 1968. Pela linguagem musical, podemos perceber os conflitos e os controles sociais em curso, as apropriações ideológicas da classe dominante e os apelos aos amortecimentos sociais. Deste modo, as referências ao tema da segurança nacional e da censura estão registrados na trajetória de Dom e Ravel e "Brasil, ame-o ou deixe-o!". Enquanto a mídia apelava para o sentimento nacionalista das massas e o Brasil vencia a copa do mundo, as bases econômicas do país do futuro estavam abaladas. A vitória do projeto desenvolvimentista dos militares se fez através de mecanismos de manipulação dos índices de crescimento econômico e de ampla política de endividamento das classes médias, base de apoio político dos militares. O resultado deste processo foi o acirramento dos conflitos de classe e finalmente o desenvolvimento dos movimentos sociais que cresceram de modo acelerado ao longo dos anos 1980. O seu setor mais significativo centrava-se na base operária metalúrgica, que através de lutas cotidianas explicitava com clareza a farsa do crescimento do bolo, desvendando a fragilidade do modelo econômico em vigor. Aumentava na região do ABCD, no centro dinâmico do processo produtivo, os confrontos pela ampliação dos salários, a apropriação de parcelas significativas do fundo público e as demandas das bases populares no processo de disputa por renda ampliada. Era necessário derrotar a classe operária para ajustar o país aos ditames do FMI, do capital financeiro e ao domínio do neo-liberalismo. O movimento da indústria cultural descrito anteriormente e os pólos de crítica e protesto recuperados nos movimentos da contra cultura e da cultura popular permitem esta recuperação histórica tanto pela análise da poética como das estruturas melódicas, métricas e rítmicas da história da música brasileira.

Edição 228 - Cinquenta ideias para 2010

- Neste número, você encontra uma lista de ações indispensáveis ao seu trabalho para garantir a aprendizagem dos alunos no próximo ano. Não perca também a entrevista exclusiva com o pesquisador francês Guy Brousseaou, o pai da Teoria das Situações Didáticas.

http://revistaescola.abril.com.br/edicoes-impressas/228.shtml

Planejamento - 2010

Edição Especial - Expectativas de aprendizagem em Arte - 6º ao 9º ano. Confira o que a turma deve aprender no Ensino Fundamental II:

http://revistaescola.abril.com.br/edicoes-especiais/030.shtml

Gestão Escolar

Edição 005 Dezembro 2009/Janeiro 2010: Semana pedagógica: o que não pode faltar. Dia a dia, tudo o que você precisa para fazer o planejamento do ano:

http://revistaescola.abril.com.br/indice-gestao/005.shtml

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