terça-feira, 29 de setembro de 2009

O DOCUMENTO NO ENSINO DE HISTÓRIA

nº 27 - Novembro/Dezembro de 2000 - Jornal Bolando Aula de História 13

A utilização de documentos no Ensino de História não é propriamente uma novidade; o novo talvez seja a aplicação no acesso a esses recursos por parte dos professores. As possibilidades oferecidas pelos documentos em sala de aula são imensas, mas certamente dependerão do conceito que se tenha de conhecimento histórico, de documento, deensino de história.
Nós estamos entendendo o conhecimento histórico como interpretação, como construção dos historiadores (ou historiógrafos) e de outros pesquisadores.
Assim, nos contrapomos a outras abordagens que entendem o conhecimento histórico como capaz de recuperar um acontecimento da forma como aconteceu, em sua plenitude e totalidade, ou o concebem como um conhecimento objetivo, ou que narra “a verdade”. Se o conhecimento histórico é interpretação, a subjetividade lhe é inerente. Cada autor, no caso cada historiador ou pesquisador, olha a realidade social-histórica de um determinado lugar social e é desse lugar que ele fala, interroga, narra, interpreta.
Portanto, pode-se pensar numa multiplicidade de interpretações de um mesmo acontecimento. Historicamente, não é isso que ocorre? Pode-se observar essas
interpretações diversas, complementares, divergentes e ainda contraditórias?
Entendemos que, em cada momento, os pesquisadores e as sociedades criam as
suas próprias interpretações sobre tempos passados; mas, criam igualmente os documentos sobre esse mesmo tempo. Ao criar suas interpretações, os pesquisadores
não apreendem a realidade diretamente, mas através de documentos. Suas narrativas são construídas partindo da interpretação de documentos que, por sua vez, são outras tantas representações da realidade; quaisquer que eles sejam, esses documentos não dizem a “verdade”. Seus autores olham a realidade de um determinado lugar social, interpretam uma realidade específica, de determinado grupo, numa dada sociedade, num tempo também delimitado. A esse respeito é esclarecedor o depoimento do hitoriador Robert Darnton, em seu livro O Beijo de Lamourette, ao relembrar suas atividades como jornalista:
O primeiro choque ocorreu (...) quando aprendi que a notícia não é o que aconteceu
no passado imediato, e sim o relato de alguém sobre o que aconteceu. Assim como não há unanimidade de interpretações dos acontecimentos históricos, não existe certamente única concepção sobre o que sejam os documentos históricos. Para alguns, os documentos contém ou dizem a verdade e é sobre essa verdade que eles irão
trabalhar. Para os pesquisadores adeptos das idéias positivistas, por exemplo,
documentos verdadeiramente fidedignos eram apenas os escritos e mais, os oficiais.
Essas posturas começaram a ser contestadas pelos historiadores franceses da chamada École des Annalles, nas primeiras décadas deste século. Marc Bloch, um desses historiadores, afirmava que tudo o que o homem fazia ou tocava poderia ser encarado como um testemunho sobre a vida de um grupo numa sociedade. Abria-se, portanto, caminhos para que os registros das experiências humanas, tudo o que revelasse o homem pudesse ser entendido como documento: toda a infinita gama de objetos, a produção imagética, os espaços socialmente construídos. Mais recentemente, desde os anos 60, a história oral vem ganhando força e os trabalhos da memória são incorporados como fontes e documentos por determinados historiadores. Atualmente, observa-se uma tendência marcante no sentido de ampliar enormemente esse conceito de fontes ou registros e entender as múltiplas linguagens como documentos: do texto escritopassando pela ficção literária, a vasta documentação iconográfica incluindo a
Sétima Arte; as construções e organizações dos espaços urbanos, a criação musical e
a dança, os modos de falar, as posturas corporais, os odores, os gestos.
Como trabalhar com documentos? Nós entendemos que ensinar história, entre outras coisas, seja ensinar como esse conhecimento histórico tem sido construído por historiadores e outros pesquisadores. Ora, se entendemos que o conhecimento histórico é interpretação, por que não oferecer aos alunos diferentes interpretações sobre um mesmo acontecimento? Se entendemos que os documentos não contam o que realmente aconteceu, porque não colocá-los em contato, por exemplo, com diversos jornais relatando uma mesma notícia? Será que teriam, eles também um choque ao
perceber que a notícia é apenas um relato de um jornalista?
Para que os alunos aproximem-se o mais possível do entendimento do que seja o
conhecimento histórico – de acordo com a concepção aqui escolhida – é importante
que ele possa desvendar o trabalho do historiador. Como chegar a isso sem ler os
diversos tipos de documentos sobre os quais os pesquisadores trabalham, fazendosuas leituras e construindo suas interpretações?
Talvez, como professores, tenhamos possibilidades de trazer o cinema, as imagens as mais diversas, as cidades onde moramos, os lugares onde estejamos vivendo; todos esses documentos poderão ser lidos numa tentativa de permitir ao aluno uma aproximação, embora longínqua, com o fazer do historiador.

A Leitura de Imagens no Ensino de História

Embora há algum tempo as imagens venham sendo encaradas como documentos, os historiadores, em sua maioria, continuam trabalhando muito mais sobre os documentos escritos, sendo esse o terreno onde se sentem mais à vontade.
Justamente numa discussão sobre esse tema, o pesquisador Eduardo Neiva Anais
do Museu Paulista, nova série, n º 1, 1993, em Imagem, História e Semiótica, afirma:Surpreendentemente, a imagem é encanto e enigma. Muito provavelmente, esse
enigma constitua-se senão numa ameaça, ao menos numa barreira e num obstáculo
ao trabalho da pesquisa histórica. Portanto, não nos deve causar estranheza o fato dos professores de História igualmente resistirem a propor a seus alunos leituras
de imagem. Apesar de as imagens exigirem mesmo uma leitura particular, é extremamente importante que os estudantes tomem contato com elas e que as leiam não como ilustrações, mas como documentos.
Assim, podemos perguntar-nos se os procedimentos de leitura de documentos escritos não podem ser aplicados à leitura de imagens. Hoje, a leitura de imagens pelos historiadores é uma questão em discussão e são vários os pesquisadores a apresentarem diferentes propostas.
Contudo, há uma questão anterior: o que entendemos por leitura? Ler é apenas descobrir o que o autor quis dizer? Ler é desvendar possíveis significados inscritos na obra?
Lembrando a pesquisa de Roger Chartier sobre a leitura, o professor Ulpiano Bezerra de Menses levanta a questão da relação possível entre o mundo da imagem com o mundo do leitor. Podemos, também aqui nesse campo, pensar que quem lê, lê de um determinado lugar social, com seu repertório e vivências. Portanto, como na leitura do texto escrito, há uma leitura interpretativa da imagem na qual surgem possibilidades individuais de criação de significados.
Isso certamente não pode excluir um outro procedimento da leitura, qual seja, levar em conta as condições de produção, resgatando a imagem em sua inserção social, examinando quem é o autor, quais as suas vinculações institucionais, em que
condições sociais produziu. Como afirma Eduardo Neiva, no mesmo artigo acima citado: Engana-se quem procurar interpretar imagens simplesmente a partir de uma expressão
de mestria técnica e individual – ainda que isso exista – (...) As imagens corporificam concepções culturais coletivas.
Entendermos, assim, que não se devatomar uma gravura de Debret – exaustivamente incluído em livros didáticos de história – ou um quadro de Benedito Calixto e simplesmente pensar que a cidade do Rio de Janeiro e os escravos eram realmente o que então sucedeu. Muito provavelmente, ao examinarmos a obra de Calixto, teremos
que procurar histórias de sua formação como pintor, suas vinculações institucionais durante o Império e na República, suas ligações com artistas e intelectuais da cidade de São Paulo, suas preocupações político-ideológicas, levantar outros acontecimentos contemporâneos à obra em questão.
Talvez, então, possamos concluir que a obra fala mais do imaginário da época em
que foi produzida, do que da fundação dacidade de Santos.

Maria Helena Simões Paes é uma das organizadoras da coleção “História em Documentos”, da Editora Atual, coordenadora da área de História do Projeto de Formação Continuada da Universidade de Mogi das Cruzes, presta assessoria pedagógica às escolas.

Trabalhando com Documentos Iconográficos

Ao longo da história, o homem, solitariamente ou em grupo, registrou as suas impressões, as suas vivências, as suas idéias, as suas ações, o seu cotidiano e o seu meio das mais variadas formas (desenhos, cartas, relatos, diários, pinturas, esculturas, músicas, filmes, etc.) Enfim, deixou, e continua deixando para a posteridade, inúmeros documentos que permitem a reconstituição e compreensão de fatos e processos históricos ocorridos em diferentes tempos e espaços.
O contato com esses documentos históricos representa, portanto, um momento privilegiado. Permite ao aluno que ele próprio possa explorar o material e fazer assim suas análises e interpretações.
Os documentos podem simplesmente ser lidos (escritos), observados (visuais) ou escutados (sonoros). Porém, para o pesquisador, eles falam muito mais quando questionados. Para que se possa melhor explorá-los é preciso a todo momento lançar aos documentos perguntas como:

Em relação a identificação da obra:
• Quem é o autor?
• Qual o nome da obra?
• Em que ano/período foi produzida?

Em relação a leitura interna:
• O que a obra apresenta?
• Quais os elementos que a compõe?

Em relação a leitura externa:
• Quem foi o autor?
• Em que contexto histórico produziu a sua obra?
• Qual o imaginário do período?
• Para que tipo de público sua obra estava voltada?
• Qual a função da obra?

Edição 228 - Cinquenta ideias para 2010

- Neste número, você encontra uma lista de ações indispensáveis ao seu trabalho para garantir a aprendizagem dos alunos no próximo ano. Não perca também a entrevista exclusiva com o pesquisador francês Guy Brousseaou, o pai da Teoria das Situações Didáticas.

http://revistaescola.abril.com.br/edicoes-impressas/228.shtml

Planejamento - 2010

Edição Especial - Expectativas de aprendizagem em Arte - 6º ao 9º ano. Confira o que a turma deve aprender no Ensino Fundamental II:

http://revistaescola.abril.com.br/edicoes-especiais/030.shtml

Gestão Escolar

Edição 005 Dezembro 2009/Janeiro 2010: Semana pedagógica: o que não pode faltar. Dia a dia, tudo o que você precisa para fazer o planejamento do ano:

http://revistaescola.abril.com.br/indice-gestao/005.shtml

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